A Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009, define população de rua como “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.
O documento prevê acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda, itens que, infelizmente, ainda não se concretizam no cotidiano. Ainda nesse contexto, segundo o Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a situação de rua é uma crise global de direitos humanos que requer uma resposta global e urgente.
Diversas vulnerabilidades atravessam a população em situação de rua, a qual, apesar de ser heterogênea, é predominantemente masculina e negra. Embora os números sejam contestados pelos movimentos sociais, os quais estimam cifras maiores, a Prefeitura de São Paulo apontou, em janeiro de 2020, a existência de 24.344 pessoas que passam a maior parte do tempo nas ruas. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicou, a partir dos dados disponíveis no Censo Suas e Cadastro Único, no ano de 2016, por meio do relatório denominado Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil, que o país contava com cerca de 101.854 pessoas em situação de rua. Estima-se que o número aumentou exponencialmente em virtude do cenário socioeconômico atual.
A não inclusão da população em situação de rua no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a quase inexistência de dados oficiais dificultam a criação e a implementação de políticas públicas para essa população. Contribuem para a sua permanência na invisibilidade e pouco acesso aos serviços e direitos sociais. Entre essa população, houve um aumento de 31% de crianças e adolescentes em situação de rua entre 2019 e 2020, de acordo com a Prefeitura de São Paulo. Idosos, mulheres, e pessoas LBGTQIA+ também estão entre a população crescente em situação de rua.
Se, no período anterior à pandemia do coronavírus, o cenário no país já era preocupante pelos cortes de políticas sociais e desemprego, é possível estimar o aumento crescente e acelerado da precarização da vida, e a consequente explosão da população em situação de rua, com o agravante da possibilidade de contaminação e morte por Covid-19.
Ademais, o quadro de negação quase universal de direitos fundamentais à população em situação de rua exige a atenção e atuação prioritária por parte dos governos na elaboração e financiamento de tal política, ampliando-se a rede de atendimento nas implantações locais de tal política que dependem de adesões por parte dos municípios, que deverão instituir comitês gestores intersetoriais integrados por representantes das áreas relacionadas ao atendimento dessa população e representantes da população, a partir das condições peculiares de cada indivíduo.
Nesse contexto, a Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas do CRP SP, ao fortalecer o compromisso ético-político da Psicologia com os Direitos Humanos, solidariza-se com a população em situação de rua, em especial, com os movimentos sociais que lutam pela visibilidade e pelo acesso às políticas públicas dessa população.
Em consonância com os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional, cabe à/ao psicóloga/o trabalhar visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, e contribuir para a eliminação de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência (inclusive, institucional), crueldade e opressão. Assim sendo, é preciso enfatizar que, em todo o mundo, o ponto marcante e comum das populações em situação de rua é a violação dos direitos humanos. Violação que, no Brasil, caracteriza-se por chacinas, extermínios, espancamentos, jatos de água, retirada dos pertences, agressão e humilhação verbal, prisões preventivas pelo simples fato de não se ter um endereço fixo, impedimentos de acessar os serviços e espaços públicos, entre outros.
Com base nos conhecimentos teóricos da Psicologia sobre saúde mental e aspectos psíquicos, é possível dimensionar as consequências graves para a saúde, os efeitos psicológicos e as marcas subjetivas decorrentes dessas violações em uma população já afetada pelo abandono, perdas do trabalho e dos vínculos familiares, e da negação da dignidade.
Nesse sentido, o CRP SP reafirma o seu compromisso pelos direitos da população em situação de rua, reforça a importância da data no anseio de contribuir com a democratização do conhecimento e com o empoderamento dos sujeitos, na busca pelo acesso à justiça social e cidadania, sensibilizando quanto ao enfrentamento às violações dos direitos sofridas por essa população em função de discriminação, da invisibilidade e das violências institucionais e sociais às quais se encontra exposta cotidianamente e salienta que a Psicologia é para todo mundo e se faz com direitos humanos.
Faz-se necessário, portanto, destacar a importância e os desafios do trabalho das/os profissionais, em especial, das psicólogas/os, que, no presente momento, fazem intervenções diárias emergenciais e criativas, levando em consideração a singularidade das pessoas em situação de rua e as questões subjetivas presentes na situação de vulnerabilidades e de graves violações dos direitos dessa população. É vital ainda destacar a valiosa importância da luta dos movimentos sociais para o reconhecimento das pessoas em situação de rua como sujeitos de direito.
Nesse momento, as ações estão direcionadas para a obtenção de medidas emergenciais, tais como acesso à higiene, alimentação, água potável, implementação de abrigos sem aglomeração e locais que ofereçam acolhimento e prestação de serviços. São esses movimentos que transformam a luta pelo direito à moradia, o acesso a programas de habitação digna, respeito à dignidade humana, respeito às condições sociais e diferenças, e pela participação política dessa população como lutas contínuas e permanentes.