Texto impede punição futura a siglas e exclui de perdão dirigentes beneficiados por verba pública
Acordo fechado entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), líderes e presidentes de partidos finalizou o texto do relatório da PEC da Anistia, que deve ser apresentado na semana que vem na comissão especial que discute o assunto.
As duas páginas do relatório, obtidas pela Folha, confirmam o maior perdão da história a siglas e candidatos, mas trazem novidades em relação à proposta apresenta inicialmente.
O texto —que será assinado pelo relator, o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP)— pretende incluir na Constituição a previsão de que legendas direcionem 20% da verba de campanha a candidatos negros, o que representará, na prática, uma redução de mais da metade do dinheiro público que pretos e pardos deveriam receber (50%).
Essa medida também foi sugerida ao grupo de trabalho que discute uma minirreforma eleitoral, mas sua efetivação se dará por meio da PEC da Anistia (9/2023).
Nos bastidores, parlamentares tentam emplacar a versão de que os 20% para negros representam um avanço, tendo em vista que isso será uma regra constitucional, diferentemente da ausência de lei sobre o assunto atualmente.
O que vigora hoje é resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), respaldada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que equiparou aos negros a regra já prevista para as mulheres —ou seja, a de que os partidos devem direcionar a pretos e pardos verba proporcional ao número de candidatos negros lançados.
Em 2022, o número de candidatos que se autodeclararam negros superou 50%, mas praticamente todas as agremiações descumpriram as regras definidas na resolução do TSE.
A defesa geral apresentada pelos partidos é a de que há uma interferência do Judiciário no papel do Congresso e que não houve tempo hábil para que as legendas se enquadrassem nas novas regras.
O relatório inclui ainda uma trava a punições futuras às legendas, determinando que a Justiça só poderá bloquear 10% do fundo partidário para aplicação de penalidades.
Outra novidade é que punições a siglas que não lançaram nem 30% de mulheres nas eleições, como estabelece a lei, também serão perdoadas caso a decisão judicial de punição resulte, na prática, em cassação do mandato de mulheres.
Por fim, o relatório vai excluir do perdão apenas partidos que usaram a verba pública para beneficiar dirigentes, como mostrado pela Folha no caso do extinto Pros (hoje incorporado ao Solidariedade), que segundo a Justiça Eleitoral usou verba pública para reforma da piscina de dirigente e para compra de quase quatro toneladas de carne.
Um dos pontos excluídos em relação ao texto original da PEC é a possibilidade da volta do financiamento empresarial para quitação de dívidas anteriores a 2015, ano em que empresas foram proibidas de fazer doações a políticos.
A Folha procurou o relator, mas Rodrigues não quis antecipar nenhum dos pontos do texto, afirmando que irá apresentá-lo publicamente na reunião da comissão especial.
Mais cedo, Arthur Lira confirmou ter conversado com parlamentares sobre a PEC, mas não detalhou o teor do que foi debatido. Ele disse apenas que a minirreforma eleitoral será aprovada a tempo de valer nas eleições de 2024 (ou seja, até a um ano do pleito).
A PEC da Anistia foi apresentada na Câmara com o apoio de praticamente todos os partidos e estabelece o maior perdão da história a irregularidades eleitorais cometidas por partidos políticos, que só em 2022 receberam R$ 6 bilhões dos cofres públicos.
O texto original foi assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ). O texto leva a assinatura de 13 partidos e federações, sendo que os principais são o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro (40 deputados assinam), a federação liderada pelo PT de Lula (33), além de PSD (33), MDB (29), PP (17), Republicanos (15) e Podemos (8).
Com o apoio de governo e oposição, ela foi aprovada em maio na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em um primeiro passo para o seu andamento. Agora está na comissão especial já foi instalada, e o passo final e seguinte será a votação em plenário.
Para ser aprovada em plenário, uma PEC precisa do apoio mínimo de 60% dos parlamentares (308 de 513 na Câmara e 49 de 81 no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa. Caso isso ocorra, ela é promulgada e passa a valer, não havendo possibilidade de veto do Poder Executivo.
O Congresso Nacional já havia perdoado em 2022 os partidos pelo descumprimento da cota de gênero em eleições e em exercícios anuais anteriores, o que impediu o TSE de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos.
Paralelamente à PEC da Anistia, a Câmara discute uma minirreforma eleitoral que também vai na direção da fragilização da transparência e da fiscalização.
Nesta terça-feira (5), o relator e a presidente do grupo de trabalho da minirreforma, os deputados Rubens Pereira Jr. (PT-MA) e Dani Cunha (União Brasil-RJ), se reuniram com parlamentares da bancada negra do Congresso e disseram que não trataram de cotas na minirreforma.