Diretor usou estratégia inusitada para convencer atriz a voltar ao Brasil e protagonizar A Viagem, após morte de seu filho; novela se tornou marco na teledramaturgia
Christiane Torloni, consagrada atriz da televisão brasileira, retornou aos holofotes com a novela A Viagem, exibida pela TV Globo em 1994. O que o público não sabia, até recentemente, é que sua volta foi resultado de uma estratégia ousada do diretor Wolf Maia: ele omitiu o verdadeiro tom dramático e espírita da trama para convencer a atriz a aceitar o papel de Diná. O convite veio num momento de luto e afastamento da carreira, após a morte trágica de seu filho Guilherme, em 1991.
A tragédia ocorreu quando Torloni manobrava uma caminhonete em sua garagem. O veículo despencou de uma altura de cinco metros, resultando em traumatismo craniano em Guilherme, um dos filhos gêmeos da atriz, que não resistiu. Ela e o outro filho, Leonardo, sofreram apenas ferimentos leves. Diante do trauma, Torloni deixou o Brasil e se mudou para Portugal, onde passou três anos imersa em estudos de dramaturgia e na tentativa de reconstruir sua vida.
Durante esse período, ela cogitou abandonar a atuação. A dor da perda era profunda e, segundo relatos da própria atriz, o luto exigiu recolhimento e silêncio. Em Portugal, longe dos holofotes, Torloni buscou refúgio nos livros e em projetos culturais, enquanto cuidava do filho sobrevivente.
A proposta de retornar à televisão partiu de Wolf Maia, que via em Torloni a atriz ideal para protagonizar A Viagem. Sabendo da fragilidade emocional da artista, Maia destacou apenas os elementos cômicos do início da trama, e mencionou a presença de Antonio Fagundes no elenco — o que ajudou a convencer Torloni a aceitar o desafio. Apenas após iniciar as gravações, ela percebeu que a história abordava temas profundos, como vida após a morte e redenção espiritual, inspirada em obras de Chico Xavier.
Apesar da surpresa, Torloni não se arrependeu. Pelo contrário: sua entrega ao papel de Diná, uma mulher intensa, ciumenta e espiritualmente transformada, conquistou o público. A química com o elenco — que incluía nomes como Guilherme Fontes, Andréa Beltrão e Maurício Mattar — e a densidade da trama transformaram A Viagem em um fenômeno de audiência. A novela não apenas liderou o horário das 19h, como também despertou um interesse renovado por temas espíritas no Brasil, com aumento expressivo na venda de livros de Allan Kardec e Chico Xavier.
Nos bastidores, episódios curiosos reforçaram a aura espiritual da produção. Em entrevista, Torloni relatou que, durante gravações em sua casa, aparelhos eletrônicos ligavam sozinhos, o que gerou especulações sobre fenômenos sobrenaturais. A atriz chegou a questionar se a produção havia “pedido licença” para tratar de assuntos tão sensíveis.
Wolf Maia, que veio de uma família espírita de Goiás, teve papel decisivo não apenas na escalação de Torloni, mas também na condução respeitosa da narrativa. A “mentira” contada para atrair a atriz de volta acabou se tornando, nas palavras da própria Christiane, um impulso necessário para retomar sua conexão com a arte.
A Viagem se consolidou como um divisor de águas na carreira de Torloni e permanece até hoje como uma das novelas mais marcantes da televisão brasileira. Após o sucesso, ela voltou a protagonizar outras produções de destaque, como Cara & Coroa e Torre de Babel, retomando de vez sua trajetória nas artes dramáticas.
Por: Redação
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